Sopa de ChuchuA Chapter by Rafael Castellar das NevesDesde que se conhecia por gente, seu Guimarães não gostava de chuchu. Aliás, ele não suportava chuchu. Ele dizia isso para a sua senhora todas as noites dos seus trinta e dois anos de casamento, mas isso nunca a impediu de rir enquanto lhe enfiava com truculência uma colher cheia de sua sopa fervente de chuchu goela abaixo. O que, no início, foi um inocente “sim meu amor, vou experimentar, mas só desta vez” para satisfazer a vontade da sua jovem esposa, se transformou em uma obrigação cotidiana inquestionável e intransponível. Seu Guimarães, com o tempo, passou a ter medo da esposa, já havia provado o peso de seu braço gordo e o saboreado o fedor de suas palavras escarradas sob ódio. Seu Guimarães não gostava de chuchu e fazia o possível para passar o dia na rua. Ia às praças, aos bares, às bancas de jornais, aos açougues, a qualquer lugar em que pudesse se encostar e esperar o tempo passar. No fim das tardes, tinha que voltar e isso era suficiente para lhe embrulhar o estômago. Todas as manhãs saia de casa pronto para não mais voltar, mas era o medo que tinha da sua esposa, não a idade, que o desencorajava. Ele entrava à casa de fininho, tentando não ser notado, mas o enjoo do cheiro da sopa de chuchu que vinha da cozinha lhe causava perturbações intestinais monstruosas que lhe traiam e revelavam sua presença. Durante trinta e dois anos, seu Guimarães sentou no mesmo lugar da mesa, ele que não gostava de chuchu, enquanto a esposa, sem lhe dar opção, enfiava-lhe colheradas fumegantes de sopa de chuchu. Na semana passada, seu Guimarães foi encontrado morto na cadeira que costumava sentar da sua mesa de jantar. Parece que já havia cinco dias que ele estava morto naquela posição. Os vizinhos ligaram para a polícia por conta do cheiro forte de carne podre e chuchu exalava da casa. Dizem que o corpo do pobre coitado estava todo lambuzado e empanturrado de sopa de chuchu que a mulher continuou enfiando todas as noites goela abaixo do cadáver do marido. Os motivos da morte ainda não estão claros, mas a vizinhança, que conhecia muito bem a rotina do seu Guimarães, conta de tudo um pouco. Uns dizem que ele se enforcou, outros dizem que tomou veneno de rato, outros dizem que ele simplesmente enfartou, há quem diga que ele caiu da escada e bate a cabeça enquanto procurava alguma coisa na prateleira, mas a verdade é que o estômago do seu Guimarães explodiu de tanto comer sopa de chuchu. A esposa estava inconformada e contou que ele estava cansado e que ela o tentava animar com a sopa de chuchu de que ele tanto gostava. Seu Guimarães não gostava de chuchu e todas as noites dos seus trinta e dois anos de casamento ele comeu sopa de chuchu até explodir. O bairro todo ainda está cheirando a sopa de chuchu e a seu Guimarães, mas logo passa.
São Paulo, 19 de março de 2013.
© 2015 Rafael Castellar das Neves |
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Added on December 4, 2015 Last Updated on December 4, 2015 AuthorRafael Castellar das NevesSao Paulo, Sudeste, BrazilAboutNascido em Santa Gertrudes, interior de São Paulo, formado em Engenharia de Computação e um entusiasta pela literatura, buscando nela formas de expressão, por meio de cr&oc.. more..Writing
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