O Sorriso do BoiadeiroA Chapter by Rafael Castellar das NevesEstávamos à beira do Goiás, a um passo do Araguaia e a dois do Tocantins, quando percebemos os grandes borrões esverdeados que se espalhavam pegajosos pela estrada, denunciando que seus autores seguiam no mesmo sentido que o nosso e logo deveriam se apresentar como parte da paisagem. Empolgados, andamos mais alguns quilômetros e nos deparamos com uma boiada de garrotes, tocada ao ritmo natural dos meninos que se atropelavam e se esgueiravam à caça de bocados do braquiária que cresce insistentemente às margens do asfalto. Desde pequeno ouvi as histórias dos bravos boiadeiros que tocavam e zelavam a boiada por enormes distâncias e complicadas situações. Suas montarias sempre foram alvo de respeito e os arreios de inveja. As famosas mulas briosas elegante e rusticamente enfeitadas por arreios argolados e grossos pelegos que confortavam o acento das resistentes portas-capelas. Foram tantas as referências e as tentativas de aproximação que se fundaram em minhas imaginações e minhas admirações e, de repente, se personificaram bem diante de mim. É claro que não resistimos e paramos para algumas fotos. Pedimos as devidas permissões aos boiadeiros que guardavam a retaguarda da boiada e eles nos atenderam com muita simpatia e simplicidade. Fizemos fotos deles, fotos montados nas mulas e conversamos um bocado. Eram boiadeiros de verdade, que carregavam na pele o cansaço e as marcas de uma vida dura e árida. Uma vida com poucas expectativas além das que se apresentavam como fatos rotineiros a serem arduamente transpassados todos os dias. Mas toda a euforia daquele momento foi posta de lado, sem ressentimentos, diante desta simplicidade e a alegria com que fomos recebidos. Não se tratava da alegria de ser fotografado, ou cortejado com inúmeras perguntas e curiosidades da “gente da cidade”; mas de uma alegria intrínseca e natural, que corre em suas veias, brotada de um coração enorme e inexplicavelmente, nos dias de hoje, verdadeiro. O sorriso no rosto daquele homem " com o qual mais conversei " era algo fascinante. Não se era um sorriso por entre palavras, mas palavras por entre sorrisos. Algo que não se limitava à expressão facial, mas que se compunha pelas palavras, pelas entonações, pelos gestos, pelos olhares, pelos movimentos e até pela timidez. Um sorriso que resplandece, não pelos seus motivos, mas pelos seus efeitos. Um sorriso puro e gentil, nada pueril, de homem sofrido, fora de casa há mais de um mês, que luta pesado todos os dias, recebendo da vida, com este sorriso, todos os golpes, todas as dificuldades, todas as ausências, todas as quedas; mas que recebe, de coração ainda mais aberto, e talvez por isso o sorriso, os pequenos presentes que a vida nos dá a todo momento, em todos os dias, e que fazemos questão de sufocar com as reclamações e injúrias de nossos problemas. Não digo que tenhamos de parar, levar a mão à cabeça e pensar no que temos e no que eles não tem e nos redimir diante da situação alheia; pelo contrário, excomungo este tipo de nivelamento de vida, apenas penso que vale a pena, em todas as nossas manhãs, nos lembrarmos, por alguns instantes que sejam, que devemos abrir mais nossos olhos e apurar nossa percepção em busca dos pequenos detalhes com os quais somos presenteados todos os nossos dias, pois está na simplicidade da existência as maiores e melhores razões que fundamentam a verdadeira felicidade. Por não me lembrar de nenhum outro, firmo em minha vida que neste dia conheci a verdadeira felicidade de viver.
Com ou sem peixe, a pescaria estava salva!
São Miguel do Araguaia, 14 de maio de 2011. © 2015 Rafael Castellar das Neves |
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Added on December 3, 2015 Last Updated on December 3, 2015 AuthorRafael Castellar das NevesSao Paulo, Sudeste, BrazilAboutNascido em Santa Gertrudes, interior de São Paulo, formado em Engenharia de Computação e um entusiasta pela literatura, buscando nela formas de expressão, por meio de cr&oc.. more..Writing
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