Quando Me Dei ContaA Chapter by Rafael Castellar das NevesNão me lembro se foi ontem ou no mês passado " talvez na semana passada " que me dei conta que se dar conta era perda de vida. Mas naquele dia, quando me dei conta, já não havia o que ser perdido, tudo já havia se ido e nem havia me dado conta.
Além de mim, restavam apenas as paredes amareladas, os móveis escorados e as cortinas esfarrapadas, e nem havia me dado conta.
O corpo já não era o mesmo, tinha outra forma e estava pesado " difícil de controlar e ordenar. A mente estava desatinada em pensamentos e memórias imemoráveis que pesavam o ar gorduroso que há tanto havia enclausurado. As mãos rijas e encardidas, repousavam arqueadas sobre um jornal velho com dizeres ofuscados, e não prestavam nem para arrumar os longos cabelos oleosos que pendiam à testa riscada.
Já era tarde e o sol se punha quando me dei conta que tudo havia se ido sem nada ter sido feito, que tudo se havia passado em um simples se dar conta, mas sem se dar.
Ao me dar conta daquele vazio, me levantei assustado e abri a janela pondo-me ao frescor e ao colorido pincelado que precedem o ocaso de outono. À minha frente, a sanhaçuíra se aconchegava em seu ninho, sem comigo se importar; No pátio, crianças corriam às gargalhadas das mães furiosas que as perseguiam para o banho.
Então, tomado por uma estranha sensação que me formigava todo o meu corpo, me dei conta que sorria novamente.
São Paulo, 26 de julho de 2010.
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Added on December 1, 2015 Last Updated on December 1, 2015 AuthorRafael Castellar das NevesSao Paulo, Sudeste, BrazilAboutNascido em Santa Gertrudes, interior de São Paulo, formado em Engenharia de Computação e um entusiasta pela literatura, buscando nela formas de expressão, por meio de cr&oc.. more..Writing
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