Meu Ranchinho Paulistano

Meu Ranchinho Paulistano

A Chapter by Rafael Castellar das Neves

Ontem foi segunda-feira e, como uma boa segunda-feira, o dia começou lento, pesado e desmotivador. O trânsito estava carregado, os motoristas com dificuldades em manter-se nas respectivas faixas, em seguir a sinalização e respeitar os concidadãos. O sol já fazia bem o seu trabalho �" e muito bem feito �" elevando a temperatura rapidamente desde bem cedo. Bom, é São Paulo e é verão, e é óbvio que já sabemos como termina esta história: temporal garantido!

Só que ontem não foi um simples temporal, foi um temporal de segunda-feira, carregado de mau-humor e azedo da ressaca. E ele veio por volta das duas horas da tarde. O dia virou noite, aquele sol machão da manhã desapareceu num relâmpago (que trocadilho mais sem graça, hein?). Mas sim, relâmpagos foi o que não faltou, teve para tudo quanto é gosto: barulhento, demorado, assustador, tímido... E o mundo caiu, é lógico, caiu de uma só vez com toda força e em enorme quantidade. Foi um pouco mais de uma hora no mesmo ritmo, sem diminuir, chuva da grossa, ventania, raios, trovões, pessoal assustado no escritório, boatos brotando mais rápido que o refluxo dos bueiros, e eu assistindo a inundação na rua da frente, que nunca tinha visto daquele jeito.

Enfim, não vou entrar em detalhes porque os telejornais vespertinos fazem isso como ninguém. Mas o que aconteceu foi que o caos se instaurou e não restava opção que não fosse prolongar o horário de trabalho e esperar. E esperei! Então, a chuva passou, até saiu um solzinho entre as nuvens, o chão começou a secar e as buzinas a diminuir. Achei que aquela era minha hora e fui embora. Ainda havia um chuvisco aqui, outro ali, mas nada de alarmante. As ruas que eu passaria haviam sido inundadas por córregos transbordantes, mas quando passei havia apenas um barro fétido nas laterais, restos de lixos e outras tralhas. Aproveitei para passar no mercado comprar umas coisas para casa, inclusive meu jantar, e fui para casa. Conforme me aproximava de casa, aumentava a quantidade de semáforos apagados, alguns com agentes da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) tentando orientar os motoristas, outros abandonados à sorte. Cabe aqui um parêntese: os semáforos de São Paulo não estão aguentando chuva alguma, de qualquer tipo, eles estão entrando em pane até com espirros!

Mas continuemos! E conforme eu me aproximava ainda mais de casa, comecei a notar que uma escuridão tomava lugar por entre as ruas, prédios, casas, bares... Tudo estava um breu só, iluminado apenas pelas luzes dos carros. É claro que não achava que eu seria afetado, mas fui! Cheguei tarde a minha casa, cansado e com minha mochila e a bagagem do mercado que tive que levar no lombo até o oitavo andar, descontando o mezanino, à luz do meu celular que estava com a bateria praticamente zerada. Com o calor que fiquei da subida, o banho gelado foi como um prêmio. Jantei à luz de velas e lamparina, ouvindo as notícias no meu radinho a pilhas �" presente do meu irmão, obrigado, e agora kit indispensável para se viver em São Paulo! �" e depois me joguei no sofá enquanto o tempo se arrastava a passar. Mas eu não moro longe, não tenho que pegar diversas conduções apertadas para rodar vários quilômetros e fazer uma verdadeira viagem para casa; imaginemos as pessoas que não têm como escapar disso!

Não vou negar que foi gostoso ter uma noite tranquila e prematura como as de um rancho no interior (rio até tinha lá fora), mas a energia elétrica acabou por volta das duas horas da tarde, voltando mais de dez horas depois (isso no meu bairro, há bairros que ainda estão sem energia), sem nenhuma resposta da companhia elétrica aos usuários solicitantes. Estamos falando de São Paulo, uma das mais importantes cidades do mundo e que sucumbe, submerge diante de qualquer chuvisqueiro e agora, além das tradicionais enchentes, tem estas novidades certas: semáforos fragilizados e energia elétrica rebelada. Aí começa toda a discussão: é o fornecimento que foi afetado; não há semáforo que aguente; a chuva foi muito forte! E eu pergunto aos senhores governantes deste povoado: quanto tempo faz que as chuvas de verão não são tão fortes por aqui? Qual é a novidade? Chuvas torrenciais no verão de São Paulo há tempos são tradicionais.

São vários os fatores que contribuem para isso, mas o descaso dos nossos governantes não pode ser encoberto com a simples passagem de responsabilidades para o povo e para a “mãe natureza”. O incrível de tudo isso é que, a cada dia mais, São Paulo, a capital do estado mais rico desta nação, uma das mais importantes cidades do mundo, não é menos precária que um ranchinho aconchegante à beira do rio.

 

 

São Paulo, 22 de fevereiro de 2011.

 



© 2015 Rafael Castellar das Neves


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Added on November 30, 2015
Last Updated on November 30, 2015

Desce Mais Uma! - Segunda Rodada


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Rafael Castellar das Neves
Rafael Castellar das Neves

Sao Paulo, Sudeste, Brazil



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Nascido em Santa Gertrudes, interior de São Paulo, formado em Engenharia de Computação e um entusiasta pela literatura, buscando nela formas de expressão, por meio de cr&oc.. more..

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