Mansa Morada

Mansa Morada

A Chapter by Rafael Castellar das Neves

Foi depois de muito trotar, de em encruzilhadas nos assustar, de valetas desviarmos, de riachos nos saciarmos e de novos caminhos arriscarmos, que avistamos a casinha.

Já não era mais mata do Caju, nem a do Bourbon e muito menos o Morro Alto.

Apressei-me nas rédeas e ela no galope ligeiro e macio, erguendo poeira na subidão batido.

Parou sozinha à entrada e, ainda sem fôlego, pôs-se a lamber o colonião maduro, como se eu lhe tivesse sussurrado onde eu pretendia apear.

Apeei!

 

Eram meados de julho e já ventava como agosto,

O sol era esbranquiçado e morno, a sombra gelada como só lá.

O vento era seco e incessante, me arranhava gentilmente o rosto, ardia as narinas e ressecava a garganta,

Resfriava o suor do peito meu e do lombo dela �" como tanto gostei e há muito não podia.

 

A casa já não tinha pintura, mas rachaduras.

As telhas se escoravam sacolejando umas as outras,

As janelas estavam podres e não mais preenchiam como antes.

Tijolos quebrados e desarrumados, cobertos por um grosso e gelado tapete de musgo velho, a circundavam revelando o que já fora um tímido calçamento.

O silêncio era atropelado apenas pelo colonião alto e denso que dançava e cantava ressecado ao balanço do vento, rodeando a grande paineira e preenchendo o vazio entre as paredes e os mourões frouxos que um dia recostaram cercas.

 

A sala era pequena e suja, mas aconchegante.

Restos de cortinas ainda pairavam sobre as janelas.

Uma estante larga e empenada, rejeitada pelos cupins, dividia o espaço com a velha cadeira de repouso de pano comido pelo tempo, sobre o soalho histérico.

Na cozinha, o velho fogão à lenha e a pequena pia de pedra estavam cobertos por poeira e ciscos de cana queimada.

Um pequeno banheiro à moda antiga fazia companhia ao único quarto,

Onde jazia uma velha cama de colchão de palha mofada e deformada.

 

Foram meses e meses de trabalho pesado, calos novos, feridas velhas e o mesmo eu:

As telhas foram recolocadas, o calçamento aprumado e o musgo raspado.

O colonião virou trato e estofado, a cerca remendada, e uma baia levantada.

As poeiras renovadas, os ciscos assoprados �" ao menos até a próxima safra.

As tábuas repregadas, as janelas rematadas

E os restos das cortinas remendaram a velha cadeira, onde agora descanso.

 

Descanso em paz na entrada, sob a sombra da paineira,

Com minha xícara de café e o cigarro apagado,

Perdido no gélido entardecer alaranjado,

Sentindo no rosto outro vento julino �" ou talvez agostino �" que me presenteia com todo o meu passado temperado pelo saboroso cheiro da cana jovem.

 

A cama já está confortavelmente pronta, os lampiões cintilando abastecidos,

E a chaminé denuncia calmamente o fogão acordado que ainda mantém quente o feijão encorpado

Para, quem sabe, alguém que resolva se achegar, ao menos para o jantar!

 

 

São Paulo, 19 de outubro de 2009.

 



© 2015 Rafael Castellar das Neves


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59 Views
Added on November 30, 2015
Last Updated on November 30, 2015

Desce Mais Uma! - Segunda Rodada


Author

Rafael Castellar das Neves
Rafael Castellar das Neves

Sao Paulo, Sudeste, Brazil



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Nascido em Santa Gertrudes, interior de São Paulo, formado em Engenharia de Computação e um entusiasta pela literatura, buscando nela formas de expressão, por meio de cr&oc.. more..

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