Prefácio

Prefácio

A Chapter by Rafael Castellar das Neves

 

Há alguns anos, pensando em como lidamos com os acontecimentos e a mudanças nas nossas vidas �" alguns se conformando, outros atribuindo as responsabilidades a terceiros ou à própria Providência, e outros assumindo lucidamente as consequências das próprias ações e decisões �", escrevi dois textos: uma carta endereçada ao próprio passado e outra ao próprio futuro (a seguir estão ambas na íntegra). Estas cartas propõem um eu-presente consciente e lúcido dos acontecimentos da sua vida e, seguro de si, resolve comunicar-se com seus outros “eus” de outros tempos. Esta reflexão, ou a situação, tomou uma outra forma em minha mente: passado e futuro se personificam ao presente cobrando responsabilidades e ações sobre a vida deles. Pude ver, na minha mente, esta nova situação em movimento, acontecendo, de uma forma diferente das visões que antecedem e acompanham o desenvolvimento dos meus romances. Foi então que resolvei me aventurar por um roteiro teatral, pois era como eu visualizava esta nova ideia: dinâmica.

Tempos Verbais é o resultado de tudo isso. Uma peça teatral que trata destes conflitos internos, dando a chance ao nosso herói, desta vez um eu-presente derrotado e sem chão, de interagir, em uma noite dessas, com a personificação do seu passado e com a de seu futuro travando uma profunda e complexa discussão sobre as ações, consequências e responsabilidades de cada um deles para com a própria vida. Um roteiro integrante e angustiante, salpicado de bom humor, que levará o leitor, porque não expectador, a uma divertida, mas séria reflexão.

Esta obra foi concluída em maio de 2012 e está agora disponível gratuitamente em formato de livro eletrônico, mantendo a estrutura de um roteiro teatral. E como tem sido, continua disponível àqueles que, por boa ventura, se interessarem em utilizá-la para a produção de uma peça teatral, é só entrar em contato comigo.

Carta ao Meu Eu-Passado

 

Caro Eu-Passado,

Não é por falta de interesse e nem por descaso que não pergunto como lhe vão as coisas, mas por muito bem já as saber. Sei também que, por se encontrar em profunda perdição de si, incrédulo de tudo e todos que passam a lhe rondar, inclusive de si mesmo, muito lhe custa a esta carta ler, mas é por ela que lhe trago boas-novas!

Digo-lhe que por aqui as coisas muito têm melhorado, que muitas das nossas dúvidas e dificuldades têm, desde então, se resolvido e novos rumos tomado, diferentes dos que aí está a pensar. Por incrível que possa lhe parecer, e sei que muito lhe parecerá, nossa vida tornou-se novamente iluminada e, de uma forma nova e curiosa, saborosa. Os amanheceres não são mais torturantes e temidos, mas confortáveis e amenos, alguns até muito prazerosos. Os dias têm passado com fluidez e tranquilidade �" desprezemos, contudo, aqueles inevitáveis aborrecimentos da vivência coletiva. As noites continuam a serem impacientemente aguardadas, mas não mais pelo refúgio concedido e sim pelo divertimento ou pelo simples relaxamento do lar, nelas sempre contidos. E são as madrugadas que mais me prazem, pois agora, ou nelas chegamos ou por elas passamos descuidados num profundo desmaio regenerador, que sei que há muito não tem.

Confesso que os fantasmas ainda assombram, mas não com a tempestuosidade e vivacidade que você tão bem conhece, mas cá estão e isso não posso e nem devo lhe negar. Mas também confesso que não é de todo mal que, vez ou outra, ainda apareçam. É preciso que algo nos lembre do que fomos e pelo que passamos �" e isso eles fazem muito bem, bem até demais, lhe confidencio �", pois o esquecimento é fácil e a ansiedade e a espontaneidade de reviver cegam e ensurdecem. Devemos nos lembrar, eu e você, ao menos assim podemos nos postar matreiros diante do que está por vir, mas sem perder a doçura de viver. E estas são as lembranças que me fizeram perceber que eu, justamente eu, também havia me esquecido de você.

Enfim, lhe escrevo para contar que por aqui os dias estão mais claros, as cores mais vivas e paira a vontade de viver; por isso, aguente firme, ele dependerá de nós. E lembre-se: você não está sozinho, quando as coisas apertarem, olhe para dentro de si e me verá!

 

São Paulo, 13 de setembro de 2010.

Carta Ao Meu Eu-Futuro

 

Caro Eu-Futuro,

É quase que incontrolável o desejo de saber como lhe vão as coisas, mas sei que não as me dirá, sei também que é por zelo que não o fará, jamais por desconsideração ou rancor, pois isso, ao menos nós para conosco, não devemos.

Mas antes que comigo se irrite ou me maldiga, peço que se atente com um pouco de esforço, pois é apenas sobre coisas da nossa vida, que talvez já saiba, e que julgo importantes de serem mantidas na mente, ou ao menos relembradas, que lhe escrevo. Talvez lhe pareça que são de justificações daquilo que lhe causarei que lhe falo, mas não entenda assim, pois, em muitos dos casos, não todos, nem ainda o sei.

Talvez não seja todo o possível para melhorar as coisas que eu tenha feito, mas é o todo que, neste momento, consigo entender como necessário. Quis eu ser seu herói salvador, estar daqui fazendo para você como para o filho faz o dedicado pai cuidadoso. Mas é justamente quando olho para o que fomos que entendo que não é bem assim que as coisas se desenrolam. Algumas coisas melhoram, outras pioram e estagnam-se outras. Há erros que aprendemos a evitar, outros que insistimos em cometer �" com diferentes intensidades, é bem verdade �" e outros novos que a nós teimam a surgir e a aterrorizar. Já não sei se é com conformação ou simples aceitação que os recebo, mas sei que nada disso foi o que para nós previ e busquei. Confesso que melhor já é do que tivemos, sem querer por baixo nivelar ou a mim justificar �" já o fazendo.

Assim sendo, é com todo remorso do fracasso e o aperto angustiante da esperança de boas-novas, que lhe despejo minhas falhas, lhe condeno com meus erros, lhe amaldiçoo com meus fantasmas, lhe coroo com a responsabilidade da nossa continuidade e, acima de tudo, lhe tanjo com minhas alegrias, das quais, imploro, nunca venha a se esquecer.

Não se esqueça, também, do que somos e do que fomos. Ponha-se sempre a olhar para trás, para o meu hoje, para que possa adiante sempre caminhar, como hoje o faço eu, por nós!

 

São Paulo, 22 de setembro de 2010.

 

 



© 2015 Rafael Castellar das Neves


My Review

Would you like to review this Chapter?
Login | Register




Share This
Email
Facebook
Twitter
Request Read Request
Add to Library My Library
Subscribe Subscribe


Stats

51 Views
Added on November 26, 2015
Last Updated on November 26, 2015


Author

Rafael Castellar das Neves
Rafael Castellar das Neves

Sao Paulo, Sudeste, Brazil



About
Nascido em Santa Gertrudes, interior de São Paulo, formado em Engenharia de Computação e um entusiasta pela literatura, buscando nela formas de expressão, por meio de cr&oc.. more..

Writing