Capitulo 2A Chapter by Marco RomanoDia após dia, ia me integrando aquela cidade e a nova rotina em casa. Estudava de manhã e fazia cursos à tarde. Minha mãe estava empolgada com meu progresso. Inconscientemente, insistia em me perguntar todos os dias sobre os meus novos amigos. Sempre que me buscava ao fim das aulas, perguntava: - “O que você fez hoje?”; - “O que comeu de lanche?”; - “Brincou de quê?”. O que era para ser um incentivo, um carinho normal de mãe, tornava-se um tormento para mim. Um tormento porque, lembrava-me que montaram times para jogar bola e eu me recusei a jogar, que fizeram brincadeiras de todo tipo e fiquei de fora da maioria delas. Mas mamãe ficaria triste em saber dessas coisas, então omitia essas partes. Contava coisas que sabia, iriam abrir o sorriso dela. Em meu quarto, na solidão dos meus pensamentos, olhando o branco das paredes, analisava as coisas como estavam e como seriam, até onde minha aguçada mente de dez anos de idade poderia chegar. Chegava sempre à conclusão de que, todas as proibições impostas seriam fáceis de contornar se eu não tivesse que lidar com pessoas. Ninguém enxergava em mim um guri normal e acabava me isolando num mundo particular, sem mais revoltas, mas infeliz. E antes mesmo que pudesse me dar conta dos problemas que a vida ainda me traria, vi-me diante da mais aterradora das situações para lidar, na forma de um bilhete. Entregou-me no intervalo da aula, passei o resto do tempo sem saber o que fazer. Saindo da escola, mostrei-o à minha mãe. Estava escrito num papel de carta todo rosa com florzinhas e com palavras que eu não entendia muito bem, mas sabia que eram carinhosas. Uma coisa chamada poesia. " Ganhei de uma... menina da classe - eu disse. " Uma admiradora? Nossa! - Ela estava radiante, e eu nem tanto. Permaneci em mudo e ela quis saber por que não estava feliz. Para mim, ter uma namorada deveria ser tão ruim quanto jogar bola. Afinal, quem quer namorar alguém como eu? Alguém doente. Ela não me conhecia, quando soubesse a verdade sobre mim, iria fugir. Imagine se iria querer namorar alguém como eu? Ou quem sabe um dia, se casar comigo? Quem iria querer ter um filho como eu? É para isso que se casa, não é? Eu nunca poderia competir com alguém normal. Soltei tudo de uma só vez e fiquei em silêncio, olhando a rua emoldurada pela janela do carro. Nunca mais iria repetir aquilo novamente. Apesar de surpresa com essa maneira de pensar, minha mãe sabia que não poderia repreender-me, muito menos se aventurar em tentar explicar as sutilezas de um relacionamento para um garoto de dez anos. Pensou na resposta mais simples que poderia me dar, lembro-me claramente de cada palavra como se fosse hoje: " Quando ficar mais velho, vai entender que, quando duas pessoas se casam, é porque se amam muito e estão prontas para enfrentar qualquer dificuldade juntas. Já conversamos sobre isso, filho. Nem todo mundo vai tratar você diferente. Você só precisa encontrar os amigos certos. É muito importante ter amigos em quem se pode confiar, ninguém deve viver sozinho. Você vai ver que, com o tempo, tudo vai melhorar. E, afinal, você ainda não tem que se preocupar com isso. Só tem dez anos. E, olha, quer saber, até hoje me lembro do meu namorado de escola. Aposto que, no mínimo, vão ser amigos para o resto da vida. ***** Aqui, na nossa praia quase particular, olhando ela dormir assim, essas palavras da minha mãe me vêem a cabeça como uma voz do além. Deus, ela não poderia estar mais certa.
© 2012 Marco Romano |
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