Cinzas

Cinzas

A Story by Irene Chemin

Não me lembro se quando eu a conheci ela já era como é. Não sei se seus olhos verdes (descobri há poucos dias que eram verdes, pois nunca havia olhado para eles, acho que tinha medo) tinham o mesmo fogo de agora, e se as suas palavras um dia já foram mais meigas. Não sei se o seu sorriso antes aflorava com mais frequência e se ela tinha mania de ficar imaginando. Será que ela sempre foi tão calada assim? Esses dias ela me disse que rosa já foi sua cor preferida. Será que ela ouvia música gótica nessa época também?
Só o que posso dizer, é que rosa não combina mais com ela. Nem azul, e muito menos amarelo. Para ela eu daria cinza ou preto. Posso a considerar transparente às vezes, também. E embora seja difícil falar sobre ela, posso dizer também que seus olhos verdes (que pra mim sempre foram vermelhos, na verdade) já estão bem longe daqui. Por alguns minutos achei que ela voltaria para me salvar, mas então uma voz surgiu na minha lembrança: "eu não sou o tipo de menina boazinha, sabe?". Agora eu sei.
O fogo está em todos os cantos. Talvez por isso eu sinta ela bem aqui, bem perto, como nunca. Talvez eu deveria dar vermelho pra ela, mas já não há tempo… Acho que estou sangrando e o tempo parece estar se esgotando. Talvez minha respiração esteja ficando cada vez mais lenta, ou mais rápida. Como saber quais são os últimos suspiros? Talvez eu deva levantar daqui e correr para pegá-la, alcançá-la e jogá-la aqui também. Nós estávamos juntos, eu não devia morrer sozinho. Eu nem devia morrer… Nós somos tão jovens.  Mas não, eu decidi deixá-la ir. Eu até quis gritar "menina, corre antes que te peguem!" mas não agüentei. Mas eu confio nela, sabe, eu sei que ela vai se dar bem. Eu sei que ela vai se livrar de tudo e de todos, eu sei que ela vai dar a volta por cima, seja por bem ou por mal. Eu confio nela. E confio porque eu sei de tudo o que fiz para aquela garota que já fez muito por mim. Ela se calou quando devia ter gritado comigo, ela queimou as palavras de amor que ela tinha guardado pra mim. E eu sei que fiz ela sofrer, sei que ainda faço. E não duvido que ela esteja sentada debaixo de alguma árvore chorando pelo o que fez, ao mesmo tempo que luta para se levantar e fingir que não se arrepende nem um pouco. Eu sei que ela tem muito fogo dentro de si e que às vezes derrete. Sei disso porque vi no seu rosto algumas lágrimas quando ela foi botar o fogo aqui dentro. E sei também porque vi algumas fotos nossas dentro da sua mochila hoje de tarde. Eu até quis repetir para ela que estava arrependido por tudo que fiz antes, e que a amava, mas eu não disse. Talvez porque ela odeia isso. Talvez porque ela me odeie, embora me ame. Talvez porque essa coisa de "últimas palavras" seja clichê demais e nós odiamos clichês. E últimas palavras porque eu já sabia que ela estava tramando algo. Querida, se você soubesse que é tão previsível… 
E então acho que é isso. Acho que vou morrer a vendo por todos os cantos no meio dessas chamas, sem conseguir levantar. Acho que os últimos suspiros estão chegando. E mais estranho que ele, é a sensação que eu tenho de morrer com ela. Todas essas chamas, esse sangue e essas cinzas (a sua cor…). Tudo aqui é você, menina. E talvez quando eu morrer, você me ouça gritar aí dentro. Ou ouça o mesmo silêncio de sempre, o meu silêncio. Talvez as músicas góticas não funcionem mais. Talvez a maquiagem não esconda mais. Talvez o fogo se apague aí dentro, quando os bombeiros chegarem aqui pra apagar tudo. Ou talvez o fogo continue crescendo, e se isso acontecer, menina, você sabe que banho de água fria não resolve. Mas eu espero que você ao menos sorria uma vez quando meu coração parar de vez. Seu sorriso era tão lindo…

© 2012 Irene Chemin


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163 Views
Added on August 7, 2012
Last Updated on November 30, 2012

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Irene Chemin
Irene Chemin

Brasília, DF, Brazil



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“A alma experimenta, portanto, um “anseio amoroso” de retornar à sua verdadeira morada. A partir de então, ela passa a perceber o corpo e tudo o que é sensorial .. more..

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