Caminhos e desconcertos
A Story by Henrique Kasai
Sentado nesse ônibus, vou a . Não pela primeira nem pela segunda vez, mas dessa vez tudo é diferente. Nesse onibus cheio de memórias de oscilantes cabeças, pensamentos que não se enlaçam e nem se encontram. Eles andam em paralelo e vagam sorumbaticamente a dois destinos: à felicidade e à saudade.
Na mala levo as memórias "que clichê ridículo", na verdade levo documentos, fones de ouvido e umas coisas aí para se viver. Levo memórias a desgosto, não que eu as odeie, mas vale a pena carregar esse fardo? É possível apagá-lo?
Não... já quis mas não pude, uma mistura de saudosismo e amor não deixou, essa massa disforme fora tão confortável que grudou o coração ao passado. Mas a mente é forte e a razão impera ""O coração que fique para trás"" disse o cérebro ""Eu arrasto o resto do corpo comigo". E assim vou, nesse ônibus escuro, entoado com o choro de um pobre bebê desconhecdor do conceito de "adeus", mas que já vive uma despedida. O sentimento é de esperança, porque a tristeza foi reprimida, por um lado temos as convicções, pelo outro, o passado.
O passado não deve ser entendido como algo findo, ele continuará sem mim, afastando-se paulatinamente até um ponto em que um não reconhece mais o outro... Não quero isso! E o que acontece com todo esse tempo perdido? Ele some? Apenas fotografias estáticas, mecânicas ficam e amarelam; outras se perdem na confusão catatônica do mundo digital. Sim, a evidência física se perde, sobra apenas uma memória manca de tempos melhores. Melhores? Ainda bem que o cérebro é bom em maquiar as coisas.
E o presente, ele existe? Também não. Pense aqui: quanto tempo demora para que o "eu" veja, escute e sinta? Apesar de pobre, meu conhecimento em biologia permite afirmar, com certeza, que percepção, assimilação e interpretação demorem, sei lá, uns 0,3 segundos? Pergunte para qualquer neurologista e ele responderá com maestria. Biologias a parte, nós vivemos o passado mas todos vivemos nesse mesmo passado, a natureza instantânea é intangível, todos vivem num mundo um pouco atrasado.
O que temos então se o futuro é incerto, o presente não existe e o passado se deteriora a cada grão de areia? Pelo menos o passado existe e dele se tira uma luz; o presente "bom" esse pode virar uma convenção, as horas já o são mesmo; e o futuro que, apesar de ser uma gruta escura e insensível, reluz com alguns brilhinhos pendurados na parede, fragmentos do passado que guiam o futuro.
Platão que me perdoe, mas não nascemos em uma caverna, vivemos nela. E nem só somos cegos, somos surdos, somos insensíveis e somos mudos também. Mas não somos burros "pelo menos a maioria" e construímos o antrópico. Essa magnum opus tão sensível ao tempo geológico e concomitantemente tão magnânime que altera o espaço, a natureza e as almas. Alma essa que não é boa no sentido maniqueísta, mas boa pela pluralidade e profundidade.
Não importa se o tempo é uma ilusão, muito menos importa se nós somos uma ilusão; faça da sua ilusão uma odisséia, faça da sua vida o melhor filme que existe. Independentemente do universo, que pode ser apenas uma projeção "leia sobre Susskind e Hooft", ame, ria, respire e morra. Afinal de tudo somos homens, desafiamos a lógica apesar de amá-la e assim continuaremos, em passos ébrios, até o derradeiro fim do canvas cósmico. No fim de tudo, na morte do último átomo, olharemos para o passado imaterial. E a única coisa que nos restará será contemplar, com um sorriso bobo e sincero na face, aquilo que passou para toda a eternidade.
© 2012 Henrique Kasai
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Added on December 20, 2012
Last Updated on December 20, 2012
Tags: portugues, Brasil, despedida, tempo, fim, eu, universo, tudo, nada, começo, você
Author
Henrique KasaiParana, Brazil
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Everything is devoured, from dusk to dawn I aimlessly write stuff, not a better word can replace stuff in such context. Because stuff will be devoured, eventually I as well, the point is, will I devou.. more..
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